Como vem sendo noticiado pela mídia diariamente, os brasileiros testemunham um triste desastre ambiental advindo do vazamento de óleo que tem atingido grande parte do litoral do país. A origem deste fenômeno, no entanto, permanece desconhecida, tendo surgido muitas conjecturas ao longo das últimas semanas.
As notícias mais recentes dão conta da suposta identificação de um novo navio que seria responsável pelo derramamento do óleo. A Universidade Federal de Alagoas – UFAL apontou um navio cargueiro que teria partido da Ásia em direção à África. A UFAL diz ter rastreado todos os navios-tanques que transportavam óleo cru próximo ao litoral do Nordeste brasileiro, entre os dias 19 e 24 de julho, quando surgiram as primeiras imagens da mancha no oceano. Segundo a Universidade foram identificados 111 navios, dos quais apenas um apresentava indícios de ter sofrido algum incidente durante o trajeto que justificasse o enorme vazamento de óleo.[1]
A responsabilidade de um navio grego já foi apontada por autoridades brasileiras. Uma organização não governamental americana, Skytruth, porém, refutou esta tese há poucos dias[2]. Especializada em análises do mar via satélite, Skytruth diz não haver evidências de que o navio Bouboulina seria responsável pelo vazamento do óleo no litoral do Nordeste.
Enquanto as autoridades investigam a origem desse desastre, cumpre-nos esclarecer como o direito brasileiro trata a responsabilidade pelo derramamento de óleo.
De pronto, vale destacar que, a depender das circunstâncias, diversas convenções internacionais ratificadas pelo Brasil podem ser aplicadas. Valendo destaque para a Marpol 73/78 - Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição Causada por Navios, promulgada, pelo Brasil, através do Decreto Federal nº 2.508/98); a Convenção Internacional sobre Mobilização de Recursos, Resposta e Cooperação contra Poluição por Óleo - OPRC/1990 (Decreto Federal 2870/1998) e a CLC/69: Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo, de 1969.
Além de tais convenções internacionais, também vale destaque a Lei Federal 9.966/2.000, que “dispõe sobre a prevenção, o controle e a fiscalização da poluição causada por lançamento de óleo e outras substâncias nocivas ou perigosas em águas sob jurisdição nacional”.
Feitas tais ressalvas, importante lembrar que, em matéria ambiental, as ações contra o meio ambiente podem ter reflexos nas esferas civil, administrativa e penal, o que se convencionou chamar de tríplice responsabilidade ambiental. Vejamos cada uma delas.
A responsabilidade ambiental civil trata da obrigação de reparar o dano causado e possui três pressupostos essenciais: a existência do dano, a ação ou omissão por parte do agente e o nexo de causalidade entre esta ação ou omissão e o dano. Em outras palavras, o nexo de causalidade é a ponte, o liame, o vínculo que liga a ação ou omissão ao dano. É importante destacar que enquanto na responsabilidade civil regular o dolo (vontade consciente de praticar um ato ou assumir o risco de produzi-lo) ou a culpa (inobservância do dever objetivo de cuidado) constituem elemento essencial para a responsabilização do agente, para a responsabilidade ambiental civil este elemento é dispensável, o que a caracteriza como objetiva.
A responsabilidade ambiental civil tem fundamento na Constituição da República de 1988, a saber:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
O art. 14, §1º da Lei Federal nº 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, também dispõe sobre o assunto, prevendo:
Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
§1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
No Brasil, tanto a doutrina quanto a jurisprudência majoritárias têm defendido um alargamento do nexo de causalidade em matéria de responsabilidade civil ambiental, de modo que nele estarão incluídos não apenas aquele que praticou diretamente a ação ou deixou de praticá-la (omissão), mas também aqueles que têm interesse direto na atividade, como o tomador dos serviços, cuja execução deu causa a um dano ambiental. Além disso, entende o STJ - Superior Tribunal de Justiça que a responsabilidade ambiental civil é informada pela teoria do risco integral, de acordo com a qual não se admitirão as chamadas excludentes de responsabilidade, que se caracterizam como elementos externos capazes de quebrar o nexo de causalidade (como os casos de força maior, caso fortuito e ato de terceiro).
Na seara administrativa, os pressupostos são: a conduta do agente, a violação a um tipo administrativo, o nexo de causalidade entre ambos e a culpa ou dolo do agente. Como exemplo de tipo administrativo violado podemos citar o art. 61 do Decreto Federal 6514/2008, que assim dispõe:
Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da biodiversidade.
Quanto à necessidade de configuração da culpa ou dolo do agente como elemento essencial de configuração da responsabilidade administrativa, os últimos julgados[3] do STJ tem definido que, ao contrário da responsabilidade civil, a responsabilidade administrativa depende de configuração de culpa ou dolo, tendo, portanto, caráter subjetivo. Parece-nos que caminhou bem o STJ, o que, aliás, temos defendido há muito tempo, na medida em que, sendo a sanção administrativa uma punição por excelência, que visa coibir novas condutas atentatórias contra o meio ambiente, punir quem não tenha agido ao menos com culpa não produziria efeitos positivos. Afinal, não há efeito modificador de conduta para quem não tenha agido ao menos com culpa.
Por fim, sobre a responsabilidade penal, cumpre salientar que o Direito Penal é responsável pela tutela do direito à liberdade, um dos direitos mais caros ao ser humano, de modo que se apresenta como ultima ratio (último recurso), o que significa dizer que só deveríamos nos socorrer do direito penal quando as demais esferas do direito não fossem capazes de tratar adequadamente o caso.
Na responsabilidade ambiental penal, a culpa ou dolo são elementos essenciais para sua configuração. Valendo frisar que só haverá punição, em regra, para aquele que agir com dolo, uma vez que o agente apenas será penalizado quando agir com culpa nos casos expressamente previstos em lei.
De acordo com o disposto no art. 2º da Lei Federal nº 9.605/98, será responsabilizado penalmente em matéria ambiental todos aqueles que participaram dos crimes previstos naquela lei, bem como aqueles que, exercendo uma posição hierárquica superior, sabiam da pretensa conduta criminosa de seu subordinado e nada fizeram para evita-la.
Há, ainda, a possibilidade de responsabilização criminal das pessoas jurídicas, nos casos em que o ato tenha sido praticado por quem tenha poderes conferidos pela pessoa moral, no seu interesse ou benefício. Tais elementos (poderes e interesse ou benefício) devem ser cumulativos para a configuração do crime.
Por tudo quanto dito aqui, é possível afirmar que o país construiu um sistema abrangente para a responsabilização dos responsáveis por danos ambientais, como aqueles que temos visto nas praias brasileiras. Que os responsáveis sejam identificados e os danos reparados.
[1] Notícia disponibilizada em https://g1.globo.com/natureza/desastre-ambiental-petroleo-praias/noticia/2019/11/18/novo-navio-suspeito-por-oleo-sera-apresentado-na-quinta-em-audiencia-no-senado-diz-pesquisador-da-ufal.ghtml. Acessado em 19/11/2019.
[2] Notícia disponibilizada em https://www.brasil247.com/mundo/organizacao-dos-eua-diz-que-navio-grego-nao-e-responsavel-por-derramamento-de-oleo. Acessado em 18/11/2019
[3] AgInt no REsp 1828167 / PR, Relatora Ministra Regina Helena Costa, T1 - PRIMEIRA TURMA, publicado em DJe 03/10/2019.
Sócio-fundador da Sion Advogados. Professor da PUC/MG e Professor Convidado da PUC/RS, CAD/MG, IDP/SP e Escolas da Magistratura do Maranhão e do Amapá. Presidente da ABDEM - Associação Brasileira de Direito de Energia e Meio Ambiente.