A ecologia da fidelidade

Fidelidade é ser coerente com uma opção. É valorizar e cultivar o encontro e não a busca. Para o fiel, fora das alianças e dos pactos, só há fragilidade e incerteza. Daí a fidelidade ser a adesão consciente à uma escolha que justifica sacrifícios, porque há ganhos.
Alfeu Trancoso - redacao@revistaecologico.com.br
Espaço Aberto
Publicado em: 05/02/2025

Fidelidade é ser coerente com uma opção. É valorizar e cultivar o encontro e não a busca. Para o fiel, fora das alianças e dos pactos, só há fragilidade e incerteza. Daí a fidelidade ser a adesão consciente à uma escolha que justifica sacrifícios, porque há ganhos.

Não somos fieis no desejo dos nossos valores. Fidelidade justifica a ordem moral, pois sua atitude está assentada em valores que merecem ser mantidos. Por isto é preciso saber fazer alianças. Uma má aliança não merece obediência. Portanto, ela supõe o dom da sabedoria, já que nossas escolhas são a medida de nossas decisões. Do ponto de vista do desejo, a fidelidade é ridícula. Isso porque o desejo não conhece o encontro. Mas somente a busca. Desejo é para ser desejado.

A relação amorosa entre o casal é a mais difícil e desafiadora de todas as alianças. Primeiro porque exige ser fiel para sempre e, segundo, porque o indivíduo terá que renunciar a todas as outras escolhas em função de apenas uma. Esse é o desafio intolerável do amor. Para amar, teremos de assumir a liberdade de escolher alguém. E não temos nenhuma garantia de que nossa escolha seja bem sucedida.

Para barrar a infidelidade, o amor tem de enfrentar o desejo, essa força poderosa que não aceita nenhuma limitação e recusa toda renúncia. O desejo é sempre uma carência. Sempre uma busca. Mas nunca um encontro. Encontrar para o desejo é morrer. A infidelidade talvez esteja ligada a essa revolta contra o aprisionamento do desejo, como se houvesse dentro de nós uma forte suspeita contra as limitações criadas pela decisão de ser fiel.

A fidelidade só se exerce como virtude na convicção desse encontro. Ela só se permite pela confiança. Fidelidade é o amor fiel, o amor conservado. Trair é esquecer e ignorar. É a morte da memória pelo abandono e pela omissão. Trair é se render às seduções do efêmero. É acreditar que as decisões e os valores são todos relativos no tempo. É desmerecer um compartilhamento consentido, tanto nas suas dificuldades como em suas alegrias. A despeito de tudo isso, ainda podemos levar nossas alianças até o fim, mesmo se quase tudo é fugaz e efêmero, mesmo se o amor é chama, como diria o poeta!

Ao amar, barramos desejo. Encerramos as buscas. Festejamos os encontros e comemoramos a felicidade tranquilizadora dos pactos. Como o desejo não termina no amor, mas é controlado por ele, a fidelidade tem nessa aliança o seu maior desafio. Ela se revela nessa luta quase impossível contra a tendência irreversível do esquecimento, contra este poder destruidor do tempo que mata, corrói e sepulta.

No mundo atual onde sedução e desejo são as molas máximas do estímulo ao consumo, como manter-se fiel a um pacto afetivo dessa natureza? Isso só pode ser mantido pela força de um projeto comum, alimentado pela paixão, pelo amor, pela confiança e pela gratidão ao parceiro.

A fidelidade não é obrigação. Mas um grande merecimento.


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